sexta-feira, 7 de maio de 2010

Notas sobre a construção da memória e os contos de fadas

Por Shannya Lúcia de Lacerda Filgueira

Os textos são como cidades
e as palavras portas abertas pelo elo
mágico, o verborrágico mundo da parábola.
Shannya Lacerda

“As massas ainda comerão dos
biscoitos finos que eu produzo”.
Oswald de Andrade

O mundo dialético que povoam as histórias nos resistem com o passar do tempo graças ao efeito de despertar de mundo que suspira em cada infante; a cada década, século ou milênio em que a história e seu mundo fabuloso sobrevive, cujo significado é adaptado, transformado ou transfigurado de acordo com a mentalidade social que se apresenta como sujeito dominante do monopólio cultural e político conferido aos “juízes” de nossa “nau”.
Acontece apenas que a nossa literatura – a que corre sobre veias ocidentais – pauta-se numa corrente que sobreviveu por muito tempo via oralidade, como forma de passar conhecimento científico e doutrinação comportamental através de uma psicologia galgada em modelos castrativos e fâmulos. Retrocedendo na história encontramos essa comoção literária desde nossos irmãos rudimentares e primitivos até a mais conhecida história de Nosso Senhor Jesus Cristo e sua “tropa de pregadores parabólicos”. No entanto, somente, no século XVII é que se houve uma preocupação no sentido de recuperar toda uma tradição cultural oral de histórias, que a princípio não eram destinadas ao público infantil, uma vez que ainda não se existia o conceito infância. Tendo a coletânea como nome Histórias ou contos do tempo antigo ou Contos da mãe gansa e seu pesquisador ou organizador Charles Perrault (1628 - 1703), contemporâneo de grandes pensadores como La Fontaine (fabulista), Molière (literata) e Racine (literata).
Somente com a subida da classe social burguesa “plena” no poder durante o século XIX é que criou-se uma mentalidade voltada para a separação conceitual de infância e adulto, e tantos outros termos, hoje, banais à nossa audição. Despontam então Hans Christian Andersen (1805 - 1875) na Inglaterra e os Irmãos Grimm (Jacob 1875- 1863/ Wilhelm 1786 - 1859) na Alemanha; fazendo um trabalho similar ao de Perrault na França. E de lá para cá o que ocorreram foram sucessivas transformações no modo de contar ou de passar o enfoque desejado, de modo que até hoje os contos sobrevivem resguardando o universo diabólico ou açucarado dos contos de fadas.
Paralelamente a história da literatura percorrida pelos contos de fadas temos as fábulas que surgiram, pelo menos que se tenha notícia, como grandes nomes nesse gênero literário na Grécia e em Roma por meio de escravos – pedagogos – como forma de se educar os filhos de seus senhores de cativeiro. Pois, sua pretensão era passar uma moral que dificilmente se abalaria na prática, mas que serviam de tema “lúdico” (*essa palavra é de teor e significado moderno) para educar e promover a elaboração do conhecimento cognitivo. Assim sendo temos Esopo na Grécia e Fedro em Roma. Passando-se os séculos encontramos como referencial de aporte teórico as fábulas de La Fontaine, francês seguidor do universo fabulista de Esopo.

Isto posto, já deve ser de se supor a importância de se trabalhar com as artes literárias “sobreviventes de guerra” para que essa cultura não morra em nossas mentes “empoeiradas e carcomidas pela história que acaba por varrer as lembranças de nossa frágil e débil caixa de recordações”. Pois, “... a velhice é febre lenta com senis caprichos” (Fausto de Goethe). Entretanto “os mortos persistem nos vivos” (Conte) quando imortalizamos a cadeia reprodutiva das histórias infantis e juvenis provenientes de um amadurecimento cultural e histórico para a raça humana.
Logo, para qualquer educador é muitíssimo gratificante recordar o teor de produtividade elaborada ao longo de nosso percurso aqui no planeta azul; além de poder utilizar essa produção para eternizar o terreno imaginário nas massas cinzentas de nossas sofridas e automáticas crianças (adultas e tristemente adulteras). Participando não de uma construção infantilizada, mas autônoma de seu sujeito infantil, delegando idoneidade a todas e a todos que queiram expor-se a um universo mágico deturpador da realidade tão real em sua irrealidade.

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