segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Projeções

 I
Se achares intimista o olhar da ceifeira
Conduz-te ao altar da abnegação
Pois teu obscuro medo morreu
No momento que deixastes ceifar
Algo no limiar de tua singela imaginação.
II
Fogo no mar, vento nas quimeras
Sonhos guardados são pássaros
Alumiados pela ilusão desperta
E pela ausência do alimento
A fome negra revela em nós as hienas guardadas.
III
Foge de ti, como foge de teu medo
Teu céu escancarado só mostra
Tua audácia, resvalada em negras velas
Vontades destroçadas, desejo rebentado
Na esquina em que perdeu-se o homem a alma.


por Shannya Lacerda
Natal, 17/10 de 2011.

domingo, 2 de outubro de 2011

Passos no escuro

*Tela de Roger Suraud, artista francês.

                      De exageros em exageros vamos vivendo cazuzamente freudianos. De ventos em ventos vamos vivendo o ocaso do tempo vazio. De lágrimas em lágrimas vão as flores e os poetas a maudizer as ervas daninhas de nosso tempo. Mas nem tudo são espinhos, pois o sangue no dedo espetado prenuncia um novo começo, uma nova mentalidade, um novo caminho. Quiçá, deixaremos o moderno pelo velhoderno epidermizado nas cutículas de nossa sensibilidade em ver o mundo. Árvores no espaço, todavia, contarão os nossos singelos avanços e fracassos, como o nome dos enamorados gravados na superfície trancosa de seu corpo. A maré, contudo, ainda nos jogará na face o vômito de nossos modos, matando as flores e os belos pensamentos. 
                   Mas, mesmo nos desgostando, anseiaremos em ver o por do sol, o som dos anjos ao acertarmos a vida, a música da celebração artística, as vivicitudes de nosso desespero em fugir da arquitetura de nossa essência, galgando mais passos sempre, em rumo da ilusão de chegada, mas sem querer nunca partir: deixaremos nossa humanidade na desumanidade da pedra, do asfalto, dos arranha-céus, no outro. Música e fogo acabará nosso balé trágico, a nossa linha entronchará pelos nossos defeitos, o gelo calará nossos muros, não viveremos até a música acabar, mas, no entanto, acharemos-na tocando sempre a mesma valsa exagerada da última tragada; até o fim dos tempos, então, nos acharemos dançando até acharmos a perfeição do passo dado no escuro.


por Shannya Lacerda.