Lisboa, 20 de junho de 1930.
Ao Sr. Álvaro de Campos,Bem, primeiramente, Sr. Campos queria dizer-te que fico feliz pelo Sr. ter em mim tão grande consideração, pois mandar-me um de seus poemas para que eu o análise, ficando como consequência a minha mercê. Assim, como Odisseu ficou ao dos deuses.
Entretanto, meu caro, noto no seu poema, Bicarbonato de Sódio, certo tom bucólico, como a um gás disperso no ar, além de uma apatia condensada sobre exclamações, anaforismos e interjeições. Meu colega Campos, o que houve com suas obras antes tão viris e agora, pelo jeito, tão apáticas? Afundaste-as numa morgadez de infindáveis vazios. Que será essa azia tua diante das perguntas que apenas se constroem em ocas mentes? Que será essa tua desilusão diante da liberdade? O que te aflige?
Talvez eu nunca saiba. Contudo, o propósito dessa minha carta de resposta ao seu poema é para te dizer que procure o vazio, para que esse possa ser completo, procure na natureza, nas pessoas, na vida um parafuso à sua desconsolada porca. Siga ou imite meu mestre Alberto Caeiro e dê um sentido a sua imensidão. Pare de imitar ou de ser como aqueles poetas bobos e vá ser ou procurar ser o regador de teu íntimo para que nesse areal possa brotar, pelo menos, um lírio ou algo silvestre que te acalente o espírito. Esqueça o “verão” dos outros e cuide de teu próprio inverno.
Espero que compreendas as minhas palavras e encontres em mim um amigo leal e sincero.
Atenciosamente,
Ricardo Reis.
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